Recomendações
 
Esta seção tratará dos resultados aprovados na plenária. As questões que guiaram as discussões têm seu reflexo em três áreas principais que cobrem agrotóxicos, questões urbanas e questões industriais. Os desafios, dificuldades, ações e estratégias para a mobilização e participação da sociedade civil em torno do processo de implementação da Convenção de Estocolmo sobre POPs formaram as principais conclusões e recomendações do Seminário.
 
Qual é a situação atual?
 
A falta de informações do movimento social, dos trabalhadores, e de sociedade em geral pode ser considerada como um dos principais problemas identificados entre os participantes.
 
As condições de trabalho dos operários podem ser assim ilustradas: as companhias normalmente não fornecem informações sobre os impactos à saúde e ao meio ambiente relativos aos produtos e substâncias químicas que são manipulados e tampouco sobre as emissões liberadas para o meio ambiente de seus processos. Os trabalhadores não recebem equipamentos de proteção apropriados, não têm acesso aos relatórios médicos e poucos têm acesso aos resultados laboratoriais. São muito comuns relatos de casos de intimidação e pressão veladas a lideres de comunidades e de trabalhadores na realidade brasileira, transpondo as fronteiras legais e envolvendo cooptação, corrupção e alguma vez até ameaças de morte. Os Estudos de impactos ambientais nos processos de licenciamento (EIA/RIMAS) não incluem adequadamente as questões de saúde pública, há muitas reclamações sobre as dificuldades de acesso às informações durante o período de avaliação, e mesmo quando as informações são apresentadas às comunidades, são de difícil entendimento e pouco acessível para as pessoas comuns. Nas audiências públicas o saber local das comunidades e os grupos de interesse poderiam ser úteis para as análises governamentais durante o processo de avaliação ambiental, porém o fornecimento de informações incompletas às comunidades, a linguagem inapropriada usada nos documentos oficiais, a pressão política realizada por grupos de interesse do empreendedor sem qualquer motivação técnica e o curto prazo previsto para a análise de documentos técnicos e identificação de suas falhas são algumas das muitas dificuldades que as comunidades e os trabalhadores enfrentam na vida diária de ativismo por saúde ambiental.
 
A dificuldade técnica de grupos comunitários atingidos pelos empreendimentos para analisar as informações técnicas apresentadas durante os licenciamentos contribui bastante para esse cenário negativo. Um modo que a sociedade encontrou para tornar este processo menos desigual é envolver o Ministério Público em nível regional ou nacional. Isto tem gerado uma torrente de processos, e essas instituições têm sido inundadas por um número excessivo de reclamações ambientais e sociais relativas a muitas atividades, o que reduz consideravelmente a sua capacidade de resposta, embora ainda seja uma forte ferramenta da sociedade. Outra área que não tem a atenção necessária tanto pelas autoridades governamentais, quanto pelo setor privado é a do desenvolvimento e/ou transferência de tecnologia limpa.
 
Sobre as questões relativas ao meio urbano, tais como gerenciamento de lixo e resíduos, não há obrigação de reciclagem, e embora o Brasil tenha reconhecimento internacional de reciclagem de materiais, isto acontece em condições sociais e ambientais tão ruins que seriam condenadas por muitos países desenvolvidos. Muitas famílias sobrevivem de atividades de coleta de resíduos, embora haja poucos programas governamentais planejados para incluir este setor de trabalhadores "informais" nas estratégias de gerenciamento de resíduos. Nos últimos anos, embora a incineração não tenha sido o foco comum e principal da disposição final de resíduos, companhias nacionais e internacionais começaram a investir em projetos desta natureza. A incineração é vista por muitos setores da sociedade civil como um processo de exclusão (que promove a exclusão social). Para os catadores (trabalhadores de material reciclável), a incineração é uma das principais fontes antropogênica de emissões não intencionais de dioxinas e furanos, e pode desviar investimentos em reciclagem, uma atividade com potencial de inclusão social. Embora o Brasil tenha recentemente aprovado legislação para gerenciamento de resíduos hospitalares, com programas de reciclagem possibilitando o uso de tecnologias alternativas ao tratamento térmico, esses são raramente explorados como melhores práticas ambientais.
 
Sobre a questão dos agrotóxicos, a área continental do país, a expansão acelerada das monoculturas (como a soja e o eucalipto para a produção de celulose) e a falta de responsabilidade de grande parte do setor industrial por muitos anos, somado a políticas errôneas de coleta de materiais obsoletos e à falta de programas afins pelo governo, causaram o surgimento de muitas áreas contaminadas e grupos de trabalhadores e comunidades vitimadas pelos processos de fabricação, armazenamento, uso e descarte desses produtos. Os esforços para implementar projetos piloto para descontaminação de áreas são menores do que a realidade exige, e até a presente data o Brasil não tem um mecanismo financeiro específico estabelecido para permitir a intervenção firme do governo no sentido de prevenir, estabelecer com firmeza a obrigação de fazer a prevenção e tratar áreas órfãs contaminadas no País.
 
O comércio ilegal de agrotóxicos obsoletos demanda uma ação enérgica dos governos não apenas no nível local, mas em cooperação, pois a longa fronteira com paises vizinhos facilita a atividade ilegal do contrabando. A falta de equipamentos, laboratórios e recursos humanos, capacitados principalmente para trabalhar em medidas de controle, apenas se somam ao quadro negativo ora demonstrado. Além disso, a agricultura ecológica e a produção orgânica não recebem a atenção apropriada como uma alternativa mais adaptada, limpa e sustentável para a produção agrícola que sustenta o desenvolvimento.
 
O que queremos?
 
À luz do acima descrito, algumas perspectivas sobre o futuro foram abordadas pelos participantes do seminário. A consolidação do direito ao acesso à informação (integral e inteligível) foi considerada como uma prioridade, sendo geradora de transformações e um dos requisitos fundamentais para uma implementação apropriada da Convenção de Estocolmo, imprescindível para o gerenciamento ambiental de substâncias químicas como um todo. Em outros países, como os EUA e muitos países europeus, o acesso às informações e a obrigação da indústria de publicar informações sobre emissões e transferência de poluentes têm ajudado muitas comunidades e trabalhadores a se prevenirem da exposição de tóxicos. Uma importante ferramenta a ser desenvolvida e implementada poderia ser o PRTR - Pollutant Release and Transfer Registers em português: Registro de Emissões e Transferências de Poluentes.
 
Entretanto, não é apenas o acesso à informação o pilar fundamental, mas também a representação e participação apropriada da sociedade civil no planejamento político, nas tomadas de decisão e nas esferas de implementação. A construção de capacidade e obtenção de condições técnicas e financeiras apropriadas para apoiar os movimentos sociais são questões chave a serem resolvidas.
 
Nas áreas urbanas, é necessária uma atenção especial dos governantes para o gerenciamento de lixo e resíduos urbanos. Na esfera federal, medidas deveriam ser adotadas na Política Nacional de Resíduos Sólidos, ainda em processo de votação no Congresso Nacional, que garantam a inclusão social através da incorporação dos catadores no sistema de gerenciamento de resíduos em uma perspectiva formal. O projeto de lei denominado Política Nacional de Resíduos Sólidos que tramita no Congresso Nacional não pode ser muito genérica a ponto de piorar as condições já asseguradas pela negociação. Um modo de prosseguir poderia ser a previsão de investimentos em cooperativas (plenamente cidadãs), infra-estrutura e estabelecimento de orientação para a participação no processo de tomada de decisão em nível municipal, salientando a inclusão social. Uma política nacional também deveria incorporar metas para diminuição de produção de lixo por parte da indústria e do consumidor, reciclagem de materiais, consumo responsável e responsabilidade do produtor pós-consumo. Em nível estadual, o governo deveria prestar atenção à infra-estrutura necessária para garantir que as metas sejam alcançadas regionalmente através de amplas discussões antes de cada tomada de decisão. Em nível local, as prefeituras precisam garantir, através de programas específicos, que locais de depósito de resíduos (aterros e lixões) não necessitem mais serem usados (reduzir gradativamente até eliminação total) e as licenças para novas plantas de incineração não deveriam ser concedidas. A construção da capacidade local envolvendo abordagem multisetorial pode gerar resultados positivos. Os planos regionais de gerenciamento de resíduos podem facilitar o planejamento local de consumo e descarte, coleta, e reciclagem de materiais, e deveriam dar preferência aos catadores e ao reconhecimento de que estes, juntamente com toda sociedade, são agentes importantes ao longo de toda a cadeia e que precisam ser envolvidos. Essas abordagens fazem parte do que poderíamos chamar de uma Política de Lixo Zero que, em uma perspectiva de longo prazo, contribuem para evitar emissões de POPs e ao mesmo tempo põem em prática os princípios básicos para se alcançar o desenvolvimento humano ambientalmente sustentável.
 
Em um país como o Brasil, que ocupa a primeira posição no ranking internacional da pior distribuição de renda, políticas ambientais não podem estar desconectadas das políticas sociais, mas devem tê-las como ferramenta para patrocinar a Justiça Ambiental. Neste ponto de vista, o Plano Nacional de Implementação da Convenção de Estocolmo sobre POPs, ratificada e em processo de implementação, se bem sucedido na sua execução, pode oferecer à sociedade brasileira um caminho para um futuro mais sustentável e justo.
 
A próxima sessão oferece um conjunto de estratégias que podem contribuir para a mobilização, inclusão e participação de diferentes segmentos da sociedade civil no plano nacional de implementação da Convenção de Estocolmo sobre POPs
(NIP-POPs).

 


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