Breve Histórico

« voltar

1. Em 1965, a empresa Clorogil (subsidiária da multinacional francesa PROGIL) inicia em Cubatão as operações de uma fábrica que produz os pesticidas organoclorados denominados pentaclorofenol e pentaclorofenato de sódio, ambos conhecidos popularmente como pó da China.

2. A PROGIL funde-se ao Grupo estatal também francês Rhône-Poulenc em diferentes fases entre 1969 e 1975 (nominalmente em 1972). Em 1982 a Rhône-Poulenc é ainda um sólido grupo estatal, porém em 1986 François Mitterrand inicia o processo de privatização da empresa, finalizado somente em 1993.

3. Em 1974, a CLOROGIL S.A. – Indústrias Químicas, ainda tendo como acionista a PROGIL que, por sua vez, agora pertence ao Grupo Rhône-Poulenc, representada no Brasil pela Rhodia S.A., começa a operar a unidade de fabricação de solventes clorados em Cubatão, a saber: o tetracloreto de carbono (CCl4), substância utilizada durante algum tempo em extintores de incêndios, posteriormente proibido devido aos produtos tóxicos mais perigosos que eram formados durante o combate ao incêndio. Também largamente utilizado como matéria prima na fabricação do gás Freon, conhecido por agredir e destruir a camada de ozônio, bloqueadora do raio solar ultravioleta, que tem freqüência de luz que pode causar o câncer de pele, enfermidade que infelizmente está em grande ascendência entre as populações, onde segundo os cientistas, a camada foi mais afetada. E o tetracloroetileno (C2Cl4), comercialmente conhecido como percloroetileno potente desengraxante de metais, principalmente na indústria automobilística e agente na lavagem de roupa a seco em lavanderias. Recentemente, a ACPO se manifestou sobre a consulta pública realizada pela ANVISA, acerca da proibição do uso do percloroetileno em lavanderias. Esta unidade de solventes clorados da Rhodia era denominada “TETRAPER”.

Desta fabricação, que operou entre os anos de 1974 e 1993, gerou algo estimado em torno de 20 mil toneladas de resíduos tóxicos compostos de C6Cl6, C4Cl6, C2Cl6, C2Cl4 etc., que foram totalmente dispostos sob o solo ou enterrados. Esta disposição irregular de resíduos, direto no solo leva a se estimar que exista ainda algo superior a 300 mil toneladas de solo contaminado. Os despejos podem ser divididos em três grandes fases, a saber:

1ª) Disposição de resíduos tóxicos dentro da fábrica, eram enterrados no morro ao lado dos tanques de estocagem de propeno e na área onde se encontram edificadas as instalações do SINCRE – Sistema de Incineração de Resíduos, nestes locais foram dispostos em cavas abertas até o ano de 1976;

2ª) A partir do ano de 1977, até aproximadamente 1981, a empresa já sob controle total do Grupo Rhône- Poulenc, este por sua vez, ainda sob a tutela do Governo Francês, através da subsidiária Rhodia S. A., começa recolher os resíduos tóxicos em caçambas e despejar no meio ambiente a céu aberto, em diversos pontos fora da fábrica. Foram encontrados resíduos tóxicos desde a cidade de Cubatão até a cidade de Itanhaém cerca de 80 Km do ponto de origem, onde era oferecido como adubo, e até hoje pairam dúvidas sobre a existência de outros lixões clandestinos da Rhodia na Baixada Santista, se concretizando como um dos maiores crimes ambientais com este tipo de agente tóxico do nosso planeta.

3ª) A partir de 1982 até meados de 1993 os resíduos passaram a ser drenados em tambores de 300 Kg e estocados sobre o mesmo morro de antes, ao lado da estocagem de propeno, estes tambores com o tempo se oxidavam totalmente e o resíduo escorria integralmente para o solo. Sendo que a partir de 1988, os tambores provenientes da produção do TETRAPER, passaram a ser diretamente triturados e incinerados.

Ressalta-se que estas substâncias ainda hoje, em 2004, que estão enterradas na fábrica, iniciaram sua degradação dando lugar a outras ainda mais tóxicas, como por exemplo: o cloreto de vinila.

4. Em 1976, quando a Rhodia assume definitivamente a razão social de ambas as fábricas, e diante da falta de espaço físico no interior da unidade, inicia clandestinamente o descarte de seus rejeitos tóxicos supramencionados.

5. Em 1978, surgem as primeiras denúncias de problemas de saúde nos operários da unidade de produção do pó da China, e a CETESB registra pela primeira vez em seus relatórios os descartes da Rhodia, sem, no entanto, adotar nenhuma medida punitiva.

6. Em 1979, as primeiras reportagens denunciam a formação dos lixões químicos pela atitude da empresa, mas não há repercussão pela falta de consciência ambiental da população. Este fato e a omissão da CETESB permitem a continuidade dos despejos clandestinos até o início dos anos 80. Ainda em 1979 a unidade de produção do pó da China em Cubatão é definitivamente desativada sob pressão dos operários contaminados nesta fábrica, que conquistam algumas garantias trabalhistas, como estabilidade vitalícia no emprego. Antes disso, dois operários morreram com quadros característicos de intoxicação aguda nos anos de operação da unidade.

7. Nos anos de 1982 e 1985, dois fatos começam a mudar o cenário: a consolidação das conquistas trabalhistas dos operários intoxicados na fábrica do pó da china (pentaclorofenol) e o afastamento do contato direto com as substâncias químicas para outra área (o setor administrativo da fábrica do TETRAPER) que se imaginava sem exposição química perigosa; e com a ocupação dos locais de despejo clandestino por populações de baixa renda em virtude da expansão imobiliária na região. Novas denúncias são veiculadas pela imprensa local provocando desta feita um verdadeiro escândalo regional sem paralelos. A empresa somente após tais denúncias cessa totalmente a retirada do lixo tóxico de dentro da fábrica, voltando a confiná-lo precariamente na sua área fabril. O Ministério Público paulista abre procedimentos investigatórios, que confirmam que o solo, as águas superficiais e subterrâneas e a cadeia alimentar (caranguejos, peixes, hortifrutigranjeiros, etc) da região foram contaminados.

Por Exemplo: algumas análises foram realizadas tanto na região dos Pilões no município de Cubatão como na Área Continental do município de São Vicente, onde foram encontrados: 23,6 m/Kg (microgramas por quilo) no Cará um peixe da região, 866 m/Kg no chuchu, abundante no pé da escarpa e 980 m/Kg no frango, todos utilizados como alimentos de algumas comunidades naquela região. Nos moradores da região do Quarentenário, também afetada pelo descarte de HCB, no município de São Vicente foram detectados até 4,095 m/L de HCB no soro sanguíneo e até 29,03 m/Kg no leite materno.

Nos diz em momento de descontração, um competente sanitarista da Região que:
“ao invés de termos chuchu com HCB, tínhamos na verdade HCB sabor chuchu”.

8. Nos anos seguintes, vários lixões químicos começam a ser encontrados e a Rhodia e a CETESB são denunciadas pelo Ministério Público Estadual (a primeira pelos danos ambientais) em processos judiciais na cidade de São Vicente, a mais atingida pelos despejos. A Rhodia reluta em assumir suas responsabilidades, tentando fazer crer que herdou o problema da Clorogil, sem conhecimento do fato. A Justiça condena a Rhodia a isolar as áreas contaminadas e a remover e incinerar todo o solo contaminado, contrariando a intenção da empresa que era de confinar o material em São Vicente em silos de concreto, proposta que inicialmente provoca indignação nas autoridades da cidade, que temem a perpetuação dos resíduos na mesma. A empresa constrói no terreno de sua fábrica em Cubatão um incinerador que inicia suas atividades em 1986. Enquanto o equipamento estava em construção, uma grande parte do solo afetado retirado das áreas contaminadas é depositado provisoriamente numa “Estação de Espera”, projetada para abrigar 12.000 toneladas por um período de até 5 anos de utilização (quantidades e prazos que viriam a ser extrapolados). Esta estimativa incorre num erro grosseiro, pois desconsidera que a mistura dos poluentes com o solo multiplicou em várias vezes esta quantidade.

9. Ao contrário das recomendações de retirada da população, proposta pela Secretaria de Meio Ambiente (atual Ministério do Meio Ambiente) a omissão das autoridades permite a ocupação desordenada da região, com a convivência próxima da população dos lixões químicos. A Secretaria Estadual da Saúde municipaliza os estudos toxicológicos nos moradores (o chamado de “Projeto Samaritá”), que pouco depois é abandonado pela Prefeitura de São Vicente sem produzir ações efetivas para mitigar o problema de saúde pública. A Rhodia investe numa campanha de marketing asfaltando ruas e urbanizando logradouros públicos nos municípios afetados para melhorar sua imagem junto à opinião pública. Várias entidades locais pedem e recebem doações da multinacional para suas atividades. Prefeituras e Câmaras de vereadores locais cessam as pressões sobre a empresa.

10. A CPI PC/Collor instalada no Congresso Nacional descobre que a Rhodia colaborou com o esquema PC, assim como a doação realizada em dinheiro para formação da central Força Sindical, a qual filiou-se o Sindicato dos Químicos de Cubatão, que infelizmente ainda representa os operários contaminados na empresa amplamente divulgado nos Jornais.

11. Ainda em 1992, os operários da fábrica de solventes clorados em Cubatão descobrem que, a exemplo dos operários da extinta fábrica de pó da China e das comunidades residentes em Samaritá/SV/SP e Pilões/CBT/SP, também estão intoxicados pelos poluentes da Rhodia – fato comprovado pela presença do hexaclorobenzeno no soro sanguíneo destes operários (que é um agente utilizado como indicador biológico de exposição) – em virtude do ambiente de trabalho estar totalmente contaminado. O Depto. de Medicina Ocupacional da Rhodia sempre omitiu dos operários esta situação, que desconheciam o perigo a que estavam expostos. Os operários denunciam o fato ao MP, que providencia uma inspeção conjunta entre vários órgãos de fiscalização que comprovam a contaminação ambiental do local e o risco iminente à saúde dos operários. Em dezembro deste ano, um outro operário morre com suspeita de intoxicação pelos poluentes da Rhodia.

12. Em junho de 1993, em face da contaminação ambiental indiscriminada na área da fábrica a Justiça concede liminar, a pedido do MP Estadual, interditando a fábrica de solventes clorados e o incinerador de resíduos tóxicos (interrompendo assim a queima dos estoques de solo contaminado que não paravam de se acumular na “Estação de Espera”). A Rhodia não contesta a liminar, transparecendo que já tinha intenções de desativar a unidade definitivamente diante de todos estes problemas, pois informações dão conta que durante os últimos anos a empresa Carbocloro comprava toda a produção de solventes da Rhodia. Os operários não podem ser demitidos e (contrariando a intenção da empresa), ficam em licença remunerada por decisão judicial até o esclarecimento dos fatos.

13. Com o apoio da ACPO, o MPE em Cubatão já em 1995 celebra um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC na Ação Civil que interditou a fábrica (a última das quatro instauradas), que pioneiramente prevê algumas garantias trabalhistas inéditas. Por questões legais, além da Rhodia e do MP, o Sindicato dos Químicos assina o acordo extrajudicial apesar das restrições dos operários à entidade. O TAC é dividido em três capítulos, a saber: I – OBRIGAÇÕES DE CARÁTER AMBIENTAL; II – PRECEITOS RELATIVOS À SAÚDE e III – DISPOSIÇÕES GERAIS.

14. Também neste período, em virtude da interrupção da incineração dos estoques de solo contaminado (técnica que começa a sofrer críticas em escala mundial pelos riscos envolvidos na geração de novas e mais perigosas toxinas durante a queima), a Rhodia adota uma nova tentativa de reparação ambiental nos locais dos lixões químicos, inclusive na área da fábrica em Cubatão: implanta processos de remediação nas próprias áreas contaminadas, a partir de técnicas de contenção e filtragem do lençol freático poluído. A CETESB aprova os métodos, mas por declarar falta de maior estrutura concede à empresa o direito de autofiscalizar tais medidas, restringindo seu controle a auditorias ocasionais. Porém em relação à área da fábrica, anos depois a CETESB se convence que a metodologia ali aplicada é insuficiente para atingir os objetivos.

Em Itanhaém, nem medidas de contenção são adotadas, apenas a remoção superficial do solo contaminado e sua substituição por solo limpo, seguida de reflorestamento e isolamento precário na superfície. Em São Vicente, onde as autoridades locais inicialmente não admitiam a permanência do solo contaminado na cidade, a empresa passa até mesmo a ser elogiada por alguns vereadores por essa remediação. Na única das quatro Ações Civis Públicas em que a empresa se nega a assinar um TAC (em São Vicente), um juiz local condena a empresa além da remediação ao pagamento de indenização ao Fundo de Direitos Difusos do Estado, em valor superior a oito milhões de reais.

15. Em maio de 2001, a ONU celebra em Estocolmo (curiosamente onde se originou o Caso Rhodia a partir da desastrosa posição do governo em 1972) a assinatura por 120 países, inclusive o Brasil, de um Tratado Internacional chamado de “Convenção de Estocolmo sobre POPs”, que propõe a eliminação global dos 12 poluentes orgânicos persistentes – POPs considerados mais perigosos ao meio ambiente e à saúde pública, entre eles o hexaclorobenzeno, principal poluente da Rhodia presente nos lixões químicos e diagnosticado no organismo das vítimas da intoxicação. Com apoio do movimento ambientalista internacional, a ACPO é a única ONG brasileira a enviar representante para acompanhar a assinatura do protocolo em Estocolmo, pois o episódio protagonizado pela Rhodia na Baixada Santista é considerado um dos mais graves do mundo envolvendo este tipo de poluição.

16. Em janeiro de 2002 a Rhodia anuncia oficialmente através dos meios de comunicação sua “saída definitiva” da região da Baixada Santista, sem oferecer maiores garantias quanto ao cumprimento das obrigações impostas judicialmente perante o imenso passivo sócio-ambiental. A ACPO teme uma possível manobra corporativa da empresa para escapar da responsabilidade, pois é visível a dança do capital da empresa que: em 1993 é totalmente privatizada pelo governo francês; em 2000 é fragmentada sendo que a parte boa e rentável da empresa conhecida como ciência da vida é fundida com a empresa HOESCHT para formação de nova empresa denominada AVENTIS. A parte química (podre) é desmembrada e segue deficitária com a denominação de Rhodia Mundial. A AVENTIS detém 20% das ações da Rhodia Mundial e assim se extingue definitivamente o Grupo Rhône-Poulenc. Recentemente a Rhodia Mundial se vê obrigada a tentar sanar seu déficit operacional e busca reestruturar a empresa deficitária, imprimindo um ritmo alucinado, onde converteram 1,5 bi de Euros de sua dívida em ações e patrocina a venda de vários ativos financeiros, o que poderá levar a empresa à insolvência diante dos enormes passivos ambientais e de saúde pública envolvido. Estes fatos são de conhecimento do Ministério Público Estadual e Federal, onde estamos pedindo atenção especial e medidas de Segurança Jurídica.

FACEBOOK
TWITTER
YOUTUBE